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Sensação térmica de mais de 60 graus: por que faz mais calor nas favelas do Rio

As periferias brasileiras podem registrar temperaturas até 8°C mais altas do que nos bairros vizinhos. Mudanças climáticas agravam as desigualdades e afetam intensamente a população negra

Soraia Claudino on her roof in Rio de Janeiro, Brazil, on March 29, 2025.

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Soraia Claudino, uma mulher negra de 58 anos que vende comida caseira, mora no Parque Rubens Vaz desde os dois anos de idade, quando sua casa ainda era uma palafita. Hoje, sua favela, localizada na zona norte do Rio de Janeiro, mudou: as casas de alvenaria têm azulejos nas fachadas. Embora simples, muitas têm dois ou três andares, o que bloqueia a ventilação e torna o calor mais intenso, principalmente no mês de março, em que houve recordes de calor na capital carioca.

Em março, a cidade do Rio de Janeiro registrou 44°C, a temperatura mais alta em uma década, segundo o Sistema de alerta Rio. No Complexo da Maré, conjunto de 15 favelas da zona norte da cidade onde Claudino mora, as altas temperaturas foram ainda mais intensas, com sensação térmica de 60°C, registrada pelo termômetro da Redes da Maré, organização comunitária local que trabalha pela inclusão social e melhoria da qualidade de vida da Maré. “Esse calor excessivo não é apenas o verão carioca, mas um reflexo da crise climática”, afirma Everton Pereira, morador do Complexo e coordenador do eixo de direitos urbanos e socioambientais da organização.

Para Claudino, uma mulher extrovertida e resiliente que anda pelas ruas de sua comunidade vendendo sanduíches e bolos caseiros no verão e sopa e caldo de milho no inverno, as altas temperaturas significam uma mudança na rotina. “Em dias de muito calor, saio depois das 16h para vender, quando o ar está um pouco mais fresco”, diz. Naqueles dias de calor extremo, Claudino percebeu os efeitos que aquela sensação de 60 graus Celsius causou na saúde de seu bairro. “Havia vizinhos com muitas alergias, pessoas com pressão alterada, sem esquecer que muitas vezes temos a sensação de que o ar não circula na comunidade”, afirma.

Isto não é apenas uma percepção. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, mais de 3 mil pessoas precisaram de atendimento médico por desidratação, insolação e outros problemas de saúde devido ao alerta de calor. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que as altas temperaturas podem agravar doenças cardiovasculares, respiratórias e de saúde mental, podendo até ser fatais.

Foto de archivo de la zona de Nova Holanda, en el Complexo da Maré, en la zona norte de Río de Janeiro.

Que faça mais calor nas favelas como onde Soraia mora não é coincidência. A comunidade está localizada entre as três principais rodovias da capital, cercada por asfalto e concreto, e exposta a maior poluição e temperaturas mais elevadas do que áreas vizinhas, em um fenômeno climático conhecido como “ilhas de calor””Em fevereiro deste ano, o bairro Galeão do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, próximo ao Complexo da Maré, marcou 4 graus a menos que a comunidade, segundo investigação que coletou dados sobre qualidade do ar e temperatura na favela. Nessa comunidade, 62,1% da população se autodefine como negra, segundo o Censo Maré.

Casos como este refletem uma realidade: a população negra que vive em favelas e áreas marginalizadas do Brasil, que tradicionalmente mais sofre com a desigualdade histórica, pobreza e ausência de serviços públicos como saneamento básico, saúde e educação, é também a que mais sofre os efeitos das mudanças ambientais.

Por que faz mais calor na favela?

Mais de 140 mil pessoas vivem no Complexo da Maré em uma área de menos de 4 quilômetros quadrados. Além da alta densidade populacional, a estrutura habitacional nas favelas também contribui para a retenção de calor, segundo estudo de 2022 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). As casas tendem a ser construções com pouca ventilação e com materiais como telhas de zinco e paredes finas de alvenaria sem isolamento térmico. “A falta de planejamento urbano e as desigualdades socioeconômicas tornam as favelas mais suscetíveis às consequências das mudanças climáticas”, reconhece Everton Pereira.

No Brasil, cerca de 8,1% da população vive em favelas. Existem mais de 16 milhões de pessoas, de acordo com o censo nacional. A maioria dos moradores se identifica como negro (negros e pardos). As temperaturas nesses bairros são até 8 graus Celsius mais altas que as dos bairros vizinhos, segundo uma investigação da Universidade Presbiteriana Mackenzie feita em Paraisópolis, a maior favela de São Paulo.

Soraia, su hermana Saionara y una representante del proyecto llamada Vitória manipulan y sienten una de las plántulas ya desarrolladas en el techo verde del complejo de la Maré.

Bairros ricos têm mais áreas verdes e melhor planejamento urbano. Além disso, seus moradores tendem a ter mais recursos para adquirir ar condicionado e podem pagar custos mais elevados de energia elétrica, refletindo a desigualdade térmica, um dos aspectos do que é conhecido como racismo ambiental.

A geógrafa Gabriela Conc, cofundadora do ONG Voz das Comunidades e líder em iniciativas de sustentabilidade e justiça social, explica que o racismo climático ocorre quando comunidades já desfavorecidas, privadas de direitos básicos como saneamento, infraestrutura e acesso equitativo, são ainda mais afetadas pelas alterações climáticas e desastres ambientais. “O racismo ambiental não é apenas uma questão ecológica, mas também uma questão social e racial”, enfatiza.

As favelas também tendem a ser mais vulneráveis a desastres ambientais, como deslizamentos de terra e inundações, o que pode fazer com que as famílias que ali moram percam tudo da noite para o dia, além de problemas estruturais, como cortes de água. “Essa vulnerabilidade não é coincidência, mas reflexo de uma estrutura que prioriza investimentos em bairros privilegiados, deixando a periferia desprotegida”, afirma a ativista climática Amanda Costa, que mora em Brasilândia, zona norte de São Paulo, e já participou de cinco Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP).

Costa fundou a Instituto Perifa Sustentável, que oferece formação a jovens para debater e exigir soluções para a crise climática. Um dos projetos da organização, Climate Voices, pressionou os candidatos nas eleições municipais de 2024 no Brasil a assumirem compromissos reais com as comunidades nas favelas.

“A crise climática tem cor, classe, gênero e território”

“Justiça climática é reconhecer que a crise climática tem cor, classe, gênero e território”, diz Naira Santa Rita, coordenadora de Justiça Climática e Amazônia da Oxfam Brasil e fundadora do Instituto DuClima. Há três anos, ela teve que deixar sua cidade, Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, devido a enchentes devastadoras que deixaram mais de 150 mortos e mais de 4.000 desabrigados em 2022. Durante o desastre, Santa Rita vivia em uma área que mais tarde foi determinada como tendo vulnerabilidades estruturais que historicamente não tinham sido abordadas pelas autoridades. “A tragédia revelou o que a crise climática significa na vida real: perdas humanas, rupturas territoriais, luto coletivo e falta de respostas do Estado”, afirma.

Soraia, Saionara and Vitória on the green roof of the Maré complex.

Para ela, as políticas públicas de urbanização no Brasil não consideram as favelas porque o Estado ainda as vê como um “problema” e não como parte da cidade. “Quando o Estado não urbaniza, nega a cidadania”, destaca. E essa negação, acrescenta, é profundamente racializada, uma vez que as favelas são “territórios de resistência negra e periférica”.

Essa resistência também está na frente climática. Soraia Claudiano sabe bem disso. No telhado de sua casa, no Complexo da Maré, ela tem um protótipo de telhado verde, uma cobertura vegetal que ajuda a reduzir o calor e a poluição e filtra o ar que foi instalada pela organização comunitária Redes da Maré com o Projeto EcoClima em conjunto com a Petrobras. Segundo a ONG, esse sistema faz com que a temperatura dentro da casa seja 10 graus mais baixa do que quando ela tinha telhado de zinco. “Traz frescor”, reconhece Soraia. “Se tivéssemos mais árvores na comunidade, ajudaria ainda mais.”

A cobertura verde traz alívio do calor, mas a sua instalação, que custa cerca de 15 mil reais para uma cobertura de 25 metros quadrados, é inacessível para a maioria dos moradores de favelas, que têm baixa renda. Para uma pessoa que ganha um salário mínimo, isso equivaleria a mais de 10 meses de salário. Portanto, embora o projeto Redes da Maré demonstre que soluções locais podem oferecer soluções imediatas, a verdadeira transformação depende de um compromisso mais amplo por parte das autoridades públicas.

Naira Santa Rita defende a implementação de medidas de adaptação climática para reduzir o calor nas favelas, como aumentar a cobertura vegetal, utilizar materiais de construção que ajudem a reduzir as temperaturas, oferecer acesso à água potável e saneamento básico e criar espaços de respiração térmica, como praças, jardins e pomares urbanos.

“A adaptação climática é um direito coletivo e não um privilégio individual”, defende. Para ela, o Estado tem a responsabilidade de garantir a justiça climática e assumir os custos de reparação, mitigação e adaptação. “Deve garantir direitos, equidade e dignidade num mundo em emergência, porque a crise climática é, acima de tudo, uma crise de direitos humanos.”

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